terça-feira, 29 de abril de 2008

2006 Pesquisa "Caleidoscópio Humano"



Serie caleidoscopio humano desenvolvimento da serie frames

2005, Metrópole

Obra montada para o programa Metrópoles, junto ao projeto oficina do vidro , parceria iniciada com Debora junto à Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, em 2001.

2005, Exposição Frames



DEBORA MUSKAT—Cartografias da Pele
Por Kátia Canton*


Em um momento preciso, o momento justamente, em que o corpo dividido grita num impulso geral, eu passo para o exterior, posso tirar o resto do corpo, tirar os pedaços que ficaram dentro, sim, os pedaços esparsos subitamente escurecidos pela virada brutal do iceberg...Existe um lugar quase pontual que o corpo inteiro assinala na experiência espacial da passagem. ..Desde meu quase naufrágio, costumo chamar de alma esse lugar. A alma mora no ponto onde o eu se decide.”(Michel Serres; Os Cinco Sentidos, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2000, pg. 14)


O trabalho de Debora Muszkat é uma tentativa incessante de desvendar a alma. E de demarcar a passagem constante e inevitável da vida para a morte. A alma exala suas nuances pelos poros dos nossos templos corpóreos, feitos de pele, e é justamente sobre essa superfície composta de tempo e de movimento, que o trabalho realiza suas operações.

O processo, minucioso, obsessivo, envolto em camadas de prazer, de dor e mistério, toma corpo a partir de uma câmera de vídeo. A artista inicialmente grava determinados quadros seqüenciados de gestos humanos, repetindo-os longamente, enxergando-os detalhadamente até que deles se esvaziem os clichês e as obviedades.

O que sobra dessas imagens desconstruídas é justamente o que há de mais cru e, portanto, mais desconcertantemente verdadeiro. As gradações de forma e textura que compõem todo e qualquer gesto e ação humanos são congelados, estancados, ecoados em composições sonoras de fundo, revelando assim as multiplicadas condições de verdade e de humanidade.

Quando Débora rompe a seqüência coreografada e usual do comportamento humano e cria jogos com repetições, cortes, inversões e sons, as máscaras sociais parecem se desintegrar. O instante vivo de uma menina de cinco anos se revela, assim como a expressão vital do ultimo suspiro registrado pela artista.

Esses registros constituem de fato jogos, malabarismos feitos de verdade, que tentam equilibrar a eterna gangorra humana de vida e morte, resgatando tempos que já se dissolveram na seqüência do movimento constante e infinito que compõe a passagem da vida.

As imagens captadas pela câmera atribuem uma condição de presente ao que já se tornou inexoravelmente passado. Desse modo, a urgência do instante é garantida a sua própria efemeridade.

É justamente desse tempo e dessa verdade que a obra de arte tenta se constituir. Das sobras dessas peles a artista recompõe seus objetos, telas, instalações.

Na continuidade dos trabalhos, se materializam as telas, onde os gestos viram desenho e pintura. A artista também utiliza pedaços de couro de animal para registrar seus traços e, em algumas obras, usa serigrafias em tecidos, cujos conteúdos aludem ao próprio material.

Numa dessas obras, imagens do quadro a quadro da menina que brinca com sua fralda na boca é registrada em seqüências sobre pedaços de pano branco. De forma análoga, a artista aparece gravada sobre fronhas de almofadas, com imagens reproduzindo várias etapas que precedem o sono profundo.

Algumas de suas gravuras e pinturas são arrematadas com enormes “agulhas” de cristal transparente, que parecem costurar uma infinitude de sobras de peles. A utilização do cristal também estabelece um paralelo com o processo do corpo no percurso vida e morte. Tal como o corpo, cuja imobilidade e estabilidade são condições apenas ilusórias, também o cristal se revela flexível, submetido a constantes mudanças. O calor do fogo metamorfoseia e amolece o vidro, transformando-o constantemente.

Debora persegue as peles e gestos da condição humana para, de fato, criar uma situação de desmanche de máscaras. Ela revela uma nova cartografia de peles.



*Kátia Canton é PhD em Artes Interdisciplinares pela Universidade de Nova York.
È escritora, curadora de arte e docente do MAC USP.

Sobre a artista

DEBORA MUSZKAT Artísta plástica, formada pela FAAP em 1986,utiliza diversos tipos de materiais em suas obras. A reciclagem e recorrente em sua linguagem artística desde 1984, assim como o Desenho, o Vidro, a Fotografia entre outras Mídias. O ser humano sempre se faz presente de alguma maneira, em sua obra. Com inúmeras exposições e eventos importantes em seu curriculo inaugurou em 2001 o projeto oficina do vidro no festival de Inverno de campos do Jordão por intermédio da Secretaria de Estado de Cultura. Este blog pretende informar e introduzir os interessados no universo da artista.